quinta-feira, 18 de abril de 2013

UM SEGREDO NO MAR PERNAMBUCANO



A cerca de 400 metros da costa, bancadas de corais rasos e afiados proporcionam ondas de nível internacional no litoral de Pernambuco. São lajes que oferecem tubos perfeitos e nunca antes publicados em uma revista. Conheça através das lentes do fotógrafo Clemente Coutinho um pedaço do nordeste desfrutado por poucos.

Por Lucas Gayoso

ALÉM DOS CARTÕES-POSTAIS

Não é por acaso que Pernambuco é um destino turístico tãoprocurado. Marcado pela diversidade, o estado tem uma das culturas mais vivas do país, construída a partir da contribuição de índios, portugueses, holandeses, judeus, africanos, entre outros. É celeiro de poetas, artistas plásticos e músicos, personagens de um carnaval conhecido no mundo inteiro. Mas não é sobre o maracatu, o frevo ou o forró que nós vamos falar. Distante dos grandes centros urbanos e separado por estradas inóspitas, Pernambuco esconde um segredo abaixo do nível do mar: bancadas de corais com ondas perfeitas, tubulares e perigosas.

OS PIONEIROS

Ainda na década de 70, Piet Snel, um surfista holandês residente em Recife, viu ondas quebrarem a mais de quinhentos metros da praia. Não titubeou e foi conferir de perto. Ali, Piet e seus amigos surfaram sozinhos durante anos na primeira bancada descoberta em Pernambuco, batizada como “Abreus”. Já nos anos 80, o pico foi frequentado por grandes nomes do surf brasileiro, como Carlos Burle, Eraldo Gueiros, Claudio Marroquim e Fabio Quencas. Mas em 1992 aconteceu o primeiro ataque do tubarão e logo o local foi descartado pelo eminente risco de acidentes. Em dias de swell, esquerdas longas e tubulares podiam ser vistas quebrando sozinhas.

Hoje, vinte anos após o ataque, uma nova safra de aventureiros começa a aparecer ao sul do estado, justamente onde há a maior concentração de reefs. Essas bancadas fazem com que os surfistas sejam bons em qualquer condição de tubo. São ondas que quebram distantes da praia e em profundidade muito rasa. Qualquer vacilo, pode custar caro! Sem falar no localismo, pneus furados e vidros de carro pichados que são uma ameaça constante. Certa vez, um jornalista montou sua câmera sobre as pedras num desses lugares e em pouco tempo foi expulso. O caso foi parar na delegacia de polícia. A hostilidade dos locais continua e talvez por isso as ondas sejam tão cobiçadas.

A MISSÃO

Convocado para registrar o potencial das lajes pernambucanas, o fotógrafo Clemente Coutinho não pensou duas vezes em aceitar o nosso convite. “Há alguns anos eu vinha querendo mostrar o potencial dessas lajes numa revista. Depois do convite, comecei a negociar com os locais para poder fotografar. Não foi fácil, nem todos concordaram. Revelar os nomes dos picos, então, nem pensar! Com a rapidez da informação hoje em dia, seria triste não poder mais surfar na companhia de três a quatro amigos num belo terral matinal em um dia de inverno.”

Mas convencer os surfistas locais era apenas a primeira parte da missão. Clemente Coutinho precisou acertar uma série de combinações para pegar um dia perfeito e registrar as fotos. “Além dos locais, as bancadas que escolhi fotografar são temperamentais. Acordar às 3h50 da manhã para monitorar o vento, já que qualquer brisa pode colocar tudo a perder, não é uma tarefa muito fácil. Logo na primeira investida, quando as previsões não eram das melhores, foi que demos sorte. Era o dia que antecedia um grande swell, uma sexta-feira. Durante alguns minutos analisamos as condições até que uma bela esquerda explodiu na bancada. Paulo Moura saiu correndo para água e eu fui no jet ski com o Inaldo Vieira, que estava contundido e não queria deixar de fazer um ‘surf mental’. Ondas que você certamente gastaria em média US$ 5.000 para surfá-las ao redor do mundo, quebravam bem ali na nossa frente, sem crowd e, o melhor, de graça!”

UM MAR DE OUTONO E INVERNO

O litoral pernambucano nem sempre recebe grandes ondulações e geralmente o vento maral predomina, atrapalhando a formação das ondas. A maior dificuldade é unir os fatores climáticos ideais como swell de leste/sudeste com mais de dois metros e vento terral, que ocor
rem com mais frequência entre abril e outubro. A onda é rápida e oferece apenas o caminho do tubo. Levar na cabeça não é uma boa opção, podendo proporcionar visitas desagradáveis aos corais e pedras. Há conhecimento de alguns picos inexplorados, onde quebram tubos solitários, mas os locais preferem surfar e preservar os “secrets” já conhecidos.

Alguns outros dias quebraram sem tanto volume neste inverno, mas foi o suficiente para mostrar o potencial do lugar nas páginas da Surfar. Apesar da inconstância e dos riscos, todos os surfistas locais presentes na matéria continuam sonhando com o dia em que voltarão aos recifes, contrariando previsões e surfando em ondas de nível internacional. Os corais sempre estarão lá escondidos. Vivos, esperando mais um swell.

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